Conexões – espiritualidade, política e educação - Dora Incontri
Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora

Duas mortes, duas reflexões: Mujica e Divaldo, por Dora Incontri

Mujica, era um ateu (que dizia graciosamente que não acreditava em Deus, mas esperava estar errado) e Divaldo, um espírita

Reprodução

Duas mortes, duas reflexões: Mujica e Divaldo

por Dora Incontri

Já estava preparando minha homenagem a Pepe Mujica, para o texto de hoje, quando chegou a notícia da morte do conhecido médium baiano Divaldo Pereira Franco, aos 98 anos de idade. Como espírita, de uma coluna que fala sobre espiritualidades e espiritismo, de forma crítica e progressista, não posso deixar de me manifestar sobre esta desencarnação – para usar um termo que nos é caro.

Mujica, era um ateu (que dizia graciosamente que não acreditava em Deus, mas esperava estar errado) e Divaldo, um espírita, portanto da comunidade em que me enraízo existencialmente. Entretanto, eu me identifico muito mais com o líder político uruguaio do que com o líder espírita baiano.

Divaldo teve longa e ampla atuação no movimento espírita hegemônico – leia-se conservador, inclinado à direita, institucional, que, para nós progressistas, representa um afastamento da visão mais aberta e progressista do próprio Kardec. O que foi sempre objeto de reflexão crítica de minha parte e de outros pensadores de um espiritismo mais de vanguarda, é o fato de o movimento ter se organizado aqui no Brasil com foco em lideranças mediúnicas, acima de qualquer possível diálogo crítico – o que se deu também com Chico Xavier. Kardec sequer mencionava o nome dos médiuns, que seriam para ele apenas intermediários. A liderança no espiritismo estaria muito mais diluída e recairia sobre pessoas com conhecimento, pesquisadores, pensadores – como ele próprio, Kardec – do que sobre detentores de dons mediúnicos, sempre sujeitos a um crivo de racionalidade crítica. A análise das obras de Divaldo (e de Chico Xavier) nunca foi feita publicamente. Mas há leitores mais aguçados que apontam problemas graves do ponto de vista da própria filosofia espírita e mesmo do conhecimento científico – como é o caso da famosa série psicológica espírita de sua mentora espiritual, Joanna de Ângelis.

Mais recentemente, desde o golpe contra Dilma e a história triste da Lava-Jato e depois do avanço da extrema direita e a ascensão do bolsonarismo, Divaldo infelizmente ficou do lado errado da história. Falta de letramento político? Ingenuidade? Tudo isso, entende-se. O que não se pode aceitar é fazer de uma adesão pessoal uma representação do pensamento espírita. E então, houve de fato uma rachadura, e mesmo muitos, que iravam Divaldo, se afastaram.

De qualquer modo, é um ser humano, digno de nosso respeito, que teve uma obra social grandiosa na Bahia, cuidando dos mais vulneráveis por muitas décadas. Assim, como boa espírita, já fiz minha prece por ele, com os votos de que vá em paz e seja bem recebido do lado de lá.

Agora, Mujica. Por esse tenho enorme iração. Camponês, revolucionário, guerrilheiro, prisioneiro da ditadura militar uruguaia durante quase 15 anos, no total. Por anos em solitária, por anos torturado física e psicologicamente, até sem poder ter o a livros – entendo como isso pode ser uma tortura. E depois de tudo, não se deixou capturar pelo ódio, não deixou de acreditar na possibilidade de mudar o mundo através da ação política – e então não mais através da revolução armada, mas pelas vias democráticas, pelas vias possíveis.

E foi eleito deputado, senador e depois presidente do Uruguai, pelo Movimento de Participação Popular – que integrou a Frente Ampla, uma coalisão de esquerda no país. Fez o que pôde, o que devia e o que alcançou. O que me encanta, porém, em Mujica é sua simplicidade, sua coerência de vida, jamais cedendo ao luxo, aos encantos do poder, ao consumismo. Um ateu à moda franciscana, um socialista real. Suas falas de convocação ao despojamento, ao usufruto da vida e do amor, em detrimento da busca desenfreada de posição e dinheiro são exemplares e inspiradoras. Muito próximas do outro grande, que se foi recentemente, o Papa Francisco.

A visão crítica e transformadora da sociedade, embora haja sempre as nuanças de cada corrente e de cada pessoa, é um caminho determinante para minha iração. Penso que tais vidas contribuem mais para o mundo do que as conservadoras e reacionárias. Embora nenhuma vida seja sem significado, nenhuma vida seja isenta de contribuições, dentro da boa fé e do engajamento sincero.

E aqui deixo meu voto para Mujica: vá em paz e se descobrir que estava errado sobre Deus, volte para contar!

Dora Incontri – Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Mestre e doutora em História e Filosofia da Educação pela USP (Universidade de São Paulo). Pós-doutora em Filosofia da Educação pela USP. Coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita e do Pampédia Educação. Diretora da Editora Comenius. Coordena a Universidade Livre Pamédia. Mais de trinta livros publicados com o tema de educação, espiritualidade, filosofia e espiritismo, pela Editora Comenius, Ática, Scipione, entre outros.

Leia também:

36 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. E me sai no UOL um pouco sobre a mentora espiritual do Divaldo, Joanna de Angelis.
      Sinto muito, não basta fé, nem uma gigantesca boa vontade para acreditar.

  1. Leitura amarga, comparação sem pé nem cabeça.
    Claramente alguém que acha que entende do espiritismo mas que carece de estudo e compreensão.

    1. Sem pé nem cabeça é seu comentário. Típico da gentalha que parece ter tomado conta do espiritismo, dizendo bobagens com empáfia barata.

  2. PTzona de carteirinha! Feio demais esse texto abordando mais politica do que o próprio espirita que faleceu. Critica triste para quem se diz espirita.

      1. A reflexão inteligente, que tanto desagrada à gentalha fascista, tosca, que integra tantas fileiras espíritas na atualidade. Eis a contribuição da lúcida e brilhante professora Dora Incontri.

    1. Para alguns, ser espírita é fazer parte da gentalha fascista, tosca e acafajestada que tomou conta de nosso país de 2018 para cá. Dora Incontri, com sua lucidez e inteligência, desagrada a essa gentalha.

  3. Excelente texto. Realmente não se pode deixar de exaltar a grande obra social de Divaldo, porém, o seu alinhamento a extrema direita, golpista em todos os sentidos, foi um divisor de águas.
    Que siga em paz, com toda obra realizada.

    1. Realmente, Divaldo foi o “oportunista” que ajudou inúmeras crianças na Mansão do Caminho. A fortuna que fez foram as inúmeras obras de caridade realizadas ao longo da vida na seara espírita. E você realizou quais obras?

  4. Divaldo foi um oportunista, fez fortuna usando nome do Chico Xavier. Trabalhou na campanha do Bolsonaro em troca de dinheiro pra sua fundação. Um belo exemplo da doutrina espírita, humildade.

    1. Chico Xavier teve reservadamente grandes embates com Divaldo. Ficaram rompidos por anos. Mas como o movimento espírita é em sua cúpula tão cínico e fechado como as grandes religiões do planeta, ninguém até hoje foi capaz de explanar isto. Ainda falta uma biografia isenta de Chico, assim como de Divaldo. Mas tão cedo certamente não virão.

  5. Infelizmente, um movimento que se diz progressista, mas que, na verdade, é uma linha materialista e ideológica dentro da Doutrina Espírita e das religiões em geral, tem ganhado muitos adeptos de relevância midiática, como blogueiros de Rede Globo e essa senhora por exemplo. É lamentável ver como uma pessoa que se diz espiritualista (pois espírita não é o caso) pode defender guerrilheiros e ateus que promovem roubos, sequestros e atentados (como o Sr. Mujica) ao mesmo tempo que despreza toda uma vida e história de nobreza espiritual de um homem como Divaldo Franco, simplesmente por uma questão ideológica militante.
    Na verdade, assim são os progressistas que sempre necessitaram da anistia para seus crimes, contando com o apoio e a defesa de seus comparsas revolucionários de todas as áreas (artística, intelectual, política e pseudo-espiritual), mas com tolerância zero e nenhuma compaixão com quem discordam de si, sobretudo se são conservadores, para os quais o hino “sem anistia” é quase uma oração.
    Defender e idolatrar criminosos sempre foi a tônica dessa gente e não estou dizendo que há inocentes nesse mundo, mas, com certeza, o bem e o mal estão aí, nitidamente escancarados. Contudo, há os cegos que não conseguem ver e os surdos que não ouvem, então a relativização progressista é o credo dessa gente. Triste senhora essa Dora Incontri e seus séquitos! “Que a terra lhes seja leve!”

    1. Defender a estupidez sempre foi e, infelizmente será, a tônica de fascistas como o senhor. E o pior: fazendo uso do pior e mais barato proselitismo religioso. Sua militância deveria se operar ao lado de gentalha como Edir Macedo e Malafaia. Jamais entre quem se diga cristão de verdade.

  6. Infelizmente, um movimento que se diz progressista, mas que, na verdade, é uma linha materialista e ideológica dentro da Doutrina Espírita e das religiões em geral, tem ganhado muitos adeptos de relevância midiática, como blogueiros de Rede Globo e essa senhora por exemplo. É lamentável ver como uma pessoa que se diz espiritualista (pois espírita não é o caso) pode defender guerrilheiros e ateus que promovem roubos, sequestros e atentados (como o Sr. Mujica) ao mesmo tempo que despreza toda uma vida e história de nobreza espiritual de um homem como Divaldo Franco, simplesmente por uma questão ideológica militante.
    Na verdade, assim são os progressistas que sempre necessitaram da anistia para seus crimes, contando com o apoio e a defesa de seus comparsas revolucionários de todas as áreas (artística, intelectual, política e pseudo-espiritual), mas com tolerância zero e nenhuma compaixão com quem discordam de si, sobretudo se são conservadores, para os quais o hino “sem anistia” é quase uma oração.
    Defender e idolatrar criminosos sempre foi a tônica dessa gente e não estou dizendo que há inocentes nesse mundo, mas, com certeza, o bem e o mal estão aí, nitidamente escancarados. Contudo, há os cegos que não conseguem ver e os surdos que não ouvem, então a relativização progressista é o credo dessa gente. Triste senhora essa Dora Incontri e seus séquitos! “Que a terra lhes seja leve!”

    1. Até que enfim, um traço de lucidez, contra fatos, não há argumentos. Essa senhora usa o Espiritismo como palanque político e ideológico.

  7. Parabéns Dora. Pena personalidade tão importante para o espiritismo não ter concluído sua jornada com louvor e terminou decaído sem retratar-se confirmando sua posição, talvez influenciado por espíritos contrários ao espiritismo uma vez que causou uma divisão entre os espíritas porque quebrou a regra mais importante que os espíritas aprenderam e levam no coração: amar a todos.

    1. Ele desencarnou sem falar uma palavra sequer, sem citar o nome dela ou de qualquer outra pessoa que o atacou… Até o chamaram de “velho gaga”, até nesse nível esses “espiritas” chegaram… Eu acho que aí, nessa atitude de silenciar e não citar nomes, ele me demonstrou muito mais a postura de um aprendiz cristão. Não sei qual Cristo você segue, mas eu sigo Aquele que manda dar a outra face, que corrigia o erro sem apontar dedos e citar nomes… Infelizmente essa irmã, a quem tenho muitas coisas em comum, vem tendo uma necessidade muito grande de atacar ele diretamente e nem se deu conta disso ainda, infelizmente. Possamos aprender com André Trigueiro, que também tem um pensamento mais a esquerda, mas colocou sua ideologia de lado, entendendo que o Evangelho do Cristo é maior que qualquer ideologia terrestre, e fez uma bela homenagem ao amigo Divaldo.

    2. Divaldo, uma pessoa sempre lutando contra si mesmo, prisioneiro de suas tendências e vaidades aproveitou-se de seus muitos talentos para crescer entre os homens. Lúcido até a mais avançada idade fez de seus discursos, verdadeiras obras primas de oratória, apenas um exercício de memória e exibição de tendências equivocadas, tão alheias ao verdadeiro sentido da filosofia que dizia representar. Que descanse em paz até que retorne a este triste mundo.

  8. Divaldo que nunca pegou numa arma é mais digno da sua iração do que o Sr. Mujica, guerrilheiro.
    A soberba dessas pessoas é tanta, que para eles é mais fácil desmerecer toda uma vida de trabalho e caridade do que refletir, sequer por um minuto, e tentar compreender o porquê do comportamento do Divaldo, sempre acompanhado, orientado e aconselhado de espíritos elevados e cheios de sabedoria.
    Certos estão vocês!
    O bom disso tudo é que tais opiniões não importam e Divaldo deve estar num lugar muito melhor, muito acima de todos nós.

    1. “sempre acompanhado, orientado e aconselhado de espíritos elevados e cheios de sabedoria.”

      Não sou espírita então segue pergunta de leigo: há os que são aconselhados e orientados por espíritos sórdidos e baixos, e expõem em livros?

  9. E muito interessante ouvir opiniões de pessoas que se colocam numa posição tão elevada a ponto de fazer julgamentos em detrimento de si mesmo, porque ainda não entendeu com todos os títulos e “estudos, que a boca fala mais de si que do outro. A famosa trave nos olhos.

  10. Eu me lamento de ver tantos messagem de ódio, só porquê não gostou de conteúdo, não vi desrespeito nesse texto, então, é triste de ver palavras de desrespeito e de ódio pra quem se diz espírita.

  11. Ei, Dora Incontri, o melhor que você faz
    É deixar a política de lado e foge prá morrer em paz…

    Não atire pérolas aos porcos…nem espere racionalidade e espírito (sem ironias) crítico dos homens (e mulheres) do primado espiritual…não são capazes de enxergar um palmo além de seu recorte de realidade…ou, no caso, recorte de irrealidade…é inútil. Saudações de um ateu que aprecia seus etxtos.

  12. Não tem pé e nem cabeça, essa comparação, já dizia minha avó, há tempos atrás. Quedaria-me humildemente a esse texto ridículo, grotesco, o DIA que a autora apresentar a Certidão de Nascimento de mais de 600 filhos adotivos, cuidados com carinho até trilharem, adultos, seus próprios caminhos, como fez o médium. Ou pelo menos 10% da magnífica obra do legado que nos deixa Divaldo. Contudo, de maneira “literal” MUITO tenho a agradecer a Dona Dora: “Melhor ter dois olhos para ler isso a ser cego”.

  13. Assim como Divaldo se equivocou nessa questão de escolher o lado torto, Mujica também se equivocou em alguns aspectos. Ambos contribuíram de forma gigantesca para um novo mundo, porém criaturas humanas, sujeitos a equívocos. Mas missionários que deixaram um rastro de luz e exemplos para construirmos uma nova terra, um mundo mais justo, humano e fraterno.

  14. Lúcidas ponderações de uma arguta analista das questões contemporâneas. Triste ver como lideranças espíritas perderam o rumo, pois em primeiro plano colocaram sua vaidade. Divaldo, a começar pela retórica pedante e afetada, nunca me seduziu. Jovem ainda, tive o desprazer de vê-lo numa casa espírita, no interior de S.Paulo, e fiquei horrorizado com o histrionismo dele, com a atenção especial que deu aos figurões locais, em detrimento às pessoas simples que desejavam abraçá-lo. A dessas pessoas, sequer olhou na cara, autografando mecanicamente seus livros, que eram entregues por uma espécie de secretária, que ficou ao lado dele. Além disso, sempre escondeu sua homossexualidade, mesmo tendo vivido mais de 50 anos com seu companheiro, ao qual se referia como “amigo”. Contribuiu para nossa histórica homofobia. Atacou reacionariamente a discussão sobre gênero. Apoiou publicamente Bolsonaro e os atos criminosos de 8 de janeiro de 2023. Viveu muito, mas saiu desta reencarnação tendo aprendido pouco.

  15. Quando ela fala que apenas Mujica é digno de sua iração, só pude lamentar pelo que essa irmã está ando… Irmã que tem Euripedes como tutor, assim como eu… Em cada oportunidade que aparece ela perde-se na necessidade incontrolável de expor sua posição, impor seu pensamento e ligeiramente criticar um irmão de doutrina. Como se ela tivesse necessidade de convencer a si própria e comprar a aprovação de uma parcela da população encarnada (Esquerda). Nem mesmo num momento como esse, de luto, de morte, ela se permite falar com Divaldo com carinho ou ao menos silenciar… Do outro lado, vi o André Trigueira, também de esquerda, tratando do amigo Divaldo com carinho, iração, colocando ideologias de lado. Achei honrosa a atitude dele e penso que se não tivermos essa posição de respeito ao irmão Cristão Espirita, melhor silenciar que viver num esforço constante de criticar. Um dia, espero que não tão longe, vamos todos nós perceber que a doutrina do Cristo não tem lado ideológico, pq as ideologias do mundo são apenas do mundo e não representam nem 10% do ensinamento cristão. Não podemos reduzir o Evangelho e isso é o bastante pra gente aprender a se amar, mesmo quando no mundo, estivermos em posições diferentes. Um dia o amor prevalecerá, tenho fé.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador