Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

O tempo contra o governo e contra Lula, por Aldo Fornazieri

Nenhum ministro das Comunicações resolverá o problema do governo se este não tiver comando político e se não souber para onde vai.

Pexels

O tempo contra o governo e contra Lula, por Aldo Fornazieri

Não bastasse a incapacidade do governo de sair do labirinto em que se meteu, agora surge outro problema: o tempo opera tanto contra o governo, quanto contra Lula. Quanto mais o governo demora em encontrar uma saída, mais é vencido pelo tempo. As medidas anunciadas para reduzir o preço dos alimentos têm uma natureza mais paliativa e produziram pouco impacto na opinião pública.

O fator mais significativo que poderá amenizar os preços elevados é a entrada da nova safra. Mesmo assim, o tempo levará preços altos de vários itens de consumo para 2026. Os elevados juros têm um efeito parcial na redução da inflação, pois esta não é só de demanda. Os juros altos buscam mais atrair dólares para reequilibrar o câmbio.

O tempo opera contra o governo e contra Lula por vários motivos. Tome-se o caso da reforma ministerial. O momento de sua realização foi perdido em algumas ocasiões. Lula, o governo e os partidos de esquerda não souberam ler os resultados das eleições municipais de 2024. Desde o primeiro semestre do ano ado, os sinais de apatia política do governo, a inapetência para inovação e mudanças, as confusões e conflitos internos, a falta de rumo e de comando e as falas inconsistentes de Lula, eram evidentes. Esse combo todo vinha minando a credibilidade do governo aumentando a dificuldade de operação junto a um Congresso hostil.

O governo já havia perdido o tempo do ajuste fiscal, que deveria ter sido feito no início de 2024. Perdeu o tempo da reforma ministerial, que deveria ter sido feita logo após o resultado das eleições municipais. Mesmo assim, tinha uma nova chance, mesmo com avarias, de fazê-la na virada do ano.  A postergação produziu o ambiente de um governo mais debilitado para negociar a reforma.

A reforma conta-gotas em andamento poderá não produzir resultados positivos. Nenhum ministro das Comunicações resolverá o problema da comunicação do governo se este não tiver comando político e se não souber para onde vai. Os ministros do governo não conseguem sair de retóricas receituárias. Não conseguem se comunicar com a população.

Na semana ada, o comitê de ministros que apresentou as medidas para baixar os preços dos alimentos, em nenhum momento conseguiu interagir com a dona de casa, com quem faz compras no supermercado. Quer dizer: as figuras do governo expressam o deslizamento temporal das esquerdas despossuídas de narrativas e retóricas persuasivas.

O governo e Lula incorrem no autoengano ao julgar que a redução do preço dos alimentos é suficiente para recolocar ambos num patamar razoável de popularidade. O problema vai para além da economia até porque, nos dois primeiros anos, os resultados econômicos podem ser considerados bons. O que existe é uma fadiga de imagem tanto do governo, quanto de Lula e do PT junto a setores significativos da sociedade. Os três não se atualizaram, não perceberam as mudanças do tempo e dos ventos, resvalaram para a inatualidade. Foram engolidos pelas mudanças trazidas pela revolução digital, no mundo do trabalho, nas relações sociais e na cultura.

Depois de uma série de desgastes, o PT não soube se renovar, nem nas suas agendas e nem em sua retórica e visão do mundo. Se distanciou dos jovens e não renovou suas lideranças. Deixou de ser o partido das reformas e das mudanças. Abandonou o ideário socialista, não é anticapitalista e transformou uma de suas variantes, o neoliberalismo, o seu objeto principal de crítica. Mal aborda a crise ecológica e as mudanças ambientais. As esquerdas perderam o objeto e os objetivos.

O governo se tornou um triturador de ministros. Haddad foi o mais atingido pela máquina desagregadora que opera em setores governamentais e petistas. Alckmin, Simone Tebet e outros aliados tiveram seus espaços de ação comprimidos. Marina Silva e Sônia Guajajara vivem tempos de ostracismo.

Lula, com apoio de petistas, tirou do governo o único leão capaz de ser uma expressão política forte do governo – Flávio Dino. Ricardo Cappelli, figura decisiva no enfrentamento da tentativa de golpe do 8 de janeiro, e que poderia ser um bom ministro da Justiça, foi despachado para uma espécie de “exílio político”. A arrogância e ambição de petistas também são responsáveis para que Lula opere uma equação de supremacia dominante ao invés de uma hegemonia de influência e de compartilhamento do poder.

Lula parece ter operado para enfraquecer figuras que poderiam ser fortes, para cercar-se de fracos. Tem-se aí um governo fatigado, amorfo, com projetos requentados. Agora sofre uma réplica do tempo. Sobra pouco tempo, e também pouco espaço, para se recuperar de forma adequada visando chegar competitivo em 2026. Vai se tornando prisioneiro da dúvida: ser ou não ser candidato no ano que vem.

A armadilha da dúvida o impede de avançar os sinais para uma possível candidatura e o impede, também, de abrir espaço para possíveis outros candidatos do campo progressista. A armadilha da dúvida vai postergando decisões, vai enfraquecendo o governo e Lula como polos de atratividade política e vai erodindo as perspectivas de poder futuro.

Os aliados de centro e centro-direita começam a olhar para outros horizontes. O Palácio dos Bandeirantes vem se tornando a Meca de várias peregrinações. Com ou sem a interdição da família Bolsonaro, o governador Tarcísio não ará a pressão e terminará sendo candidato.

Está tudo perdido? Em política é temerário fazer esse tipo de afirmação. O problema é que Lula e o governo não apresentam sinais de reação política. Parece que vivem numa bolha, alienados da realidade. O Planalto não consegue perceber o que ocorre na planície: o que se vê hoje são militantes e ativistas progressistas desanimados, derrotistas, conformados. É um ambiente assemelhado àquele do processo de impeachment da presidente Dilma.

Mas naquele processo ainda existia uma militância que se mobilizava e protestava nas ruas. Hoje, com uma militância prostrada, as ruas estão desertas de causas e de ativistas. Os ativistas não sairão do desânimo por conta própria. Precisam de causas e de líderes. As causas não prosperam sem lideranças fortes e competentes.

A sociedade, o Brasil e governo precisam de liderança. Lula precisa colocar-se à frente de um comando político do governo, de um estado maior, capaz de imprimir um novo rumo, uma nova ideia de futuro, uma nova esperança. Lula foi um líder brilhante e decisivo em vários momentos críticos da história recente do país. Essa virtù combativa precisa ser reavivada. Lula precisa ter consciência dos perigos e riscos que ameaçam o Brasil. Ele precisa colocar-se na liderança e despertar as energias que podem reverter esse cenário de risco e de escassa esperança.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Pela ordem: enfrentar banqueiros e sua imprensa; o estamento militar e judiciário, e, enfim a caixa de ressonância de tudo: o Congresso. E ainda querem que Lula vá além do feijão-com-arroz?
    Lula já é o maior.
    Desde 1° de janeiro de 2003.
    O resto? O que der, deu.

    1. Perfeito,tudo no Lula tem que ser milagroso, Lula é um gigante, querem mais? Análises para detonar Lula que não contribuem em nada

  2. Infelizmente, o cenário já está em andamento, lá na matriz, ou EUA.

    O que vem por aí é uma estagflação.

    Mas qual?

    Como dizem MauDDad e seus, econometristas, junto com o Mestre Sidônio, os indicadores macroeconômicos nunca foram tão sólidos.

    Tudo se resume a uma má vontade do “mercado” e/ou uma ganância desmedida de gente má que especula com comida, dizem os magos da econometria comunicativa.

    É tudo uma questão de ponto de vista, diz MauDDad, copo meio cheio.

    “Tenham paciência”, nos diz ele, como um fracassado Moisés, que não consegue abrir as duas metades do Mar Vermelho, e nos diz:

    “Venham, vai ficar raso uma hora ou outra”.

    É triste ver como a direita entendeu Marx ao pé da letra, enquanto a chamada esquerda ficou só com a vulgaridade do determinismo economicista.

    A direita sabe que não se trata apenas de: é a economia, estúpidos!

    Isso é o que dizem aos incautos, enquanto controlam as esferas políticas de decisão sobre a economia, dialeticamente.

    A esquerda engoliu, sem mastigar, quem diria, o dogma econômico, e facilita o trabalho.

    Sobra espaço, inclusive, para a direita rodar seus programas de extremismo, dada a facilidade que encontra no campo político, no vácuo deixado pela esquerda.

    Aí, toda vez que Lula ou alguns de seus patetas, de forma acovardada, imaginam levar o debate para a campo político, como no caso da isenção de 5 mil do IRPF com compensação pela tributação dos mais ricos, lá vem o rolo compressor anti política.

    O pior é que o bicho é dirigido por gente do próprio governo, e esmaga cabeças dissidentes.

    Não, Aldo, não existe forma civilizada de convivência com o capitalismo.

    Lula é a prova viva disso.

    Virou uma piada (ruim) de si mesmo!

  3. Excelente análise do Professor Fornazieri. As razões do fracasso do atual governo, elencados no texto vem sendo apontados por todos aqueles que depositaram as esperanças nesse governo. O autoengano, a arrogância petista e do próprio presidente, a falta de energia, a irresponsabilidade da presidência do PT em atacar o ministro da economia do próprio governo, um ministro da casa civil que é uma figura lastimável e que, parece, ambiciona ser candidato à sucessão de Lula…assustador. A expressiva queda de popularidade do governo entre seu eleitorado mais fiel parece ter acordado o presidente. Parece que foi percebido que o eleitorado do Nordeste, que nos salvou do fascismo, não é um rebanho. Todavia, a morosidade permanece. As perspectivas são sombrias. E não adianta culpar a Faria Lima, a mídia, os banqueiros, Trump, etc. Se o pior acontecer, a responsabilidade será do PT e de Lula.

    1. A única coisa lúcida do PT foi tensionar esse ministro dos banqueiros, esse Paulo Guedes de bons modos.

      Desde quando ter ambição de suceder Lula é algo nefasto ou torna alguém ruim?

      É essa imobilidade política cagada por esse pensamento, em muito semeado pelo próprio Lula, é que matou esse partido.

      Lula foi tão maior que o PT, que acabou por soterrada sua vida política.

  4. Quem está contra o governo e contra o Lula não é o tempo, é a classe exploradora. E, nessa empreitada, a classe sanguessuga tem a ajuda de grande parte da classe explorada, geralmente por ignorância.r

  5. Concordar, discordando. O inicio de 2024 qdo o articulista disse que era o momento da mudança, coincidiu com a enchente no Sul. que que o Governo faz? Cuida do seu rabo ou vai ajudar os que precisam?
    As eleições de 24 foram duras e um bom aprendizado. Ai concordo, aquele PT antigo morreu. Foi enterrado pelos buricratas.
    Pra frente o caminho e longo e ai, não e por causa dos alimento que o Lula pode perder a eleição.
    E a falta da auto critica continua perdurando. Principalmente na midia. Como aqui. O articulista acha que so com palavras vai mudar a realidade? Vai não. Sai do gabinete e vai pra rua entender o que o povo do Brasil, não de SP apenas, precisa de fato: Emprego, Comida., Saúde, Educação e Segurança. O resto é resto.

  6. E o ministro da Agricultura incompetente q só enrola Lula com mil mercados externos abertos e não resolveu nada na crise do arroz O Q VC ACHA ALDO ???Espero q vc consiga ao menos arrumar o seu quarto.ai !!!

  7. ACHO ENGRAÇADO CITAREM ARROGÂNCIA EM UMGOVERNO DE FRENTE AMPLA(MUITAS PESSOAS)Q QUASE NÃO CONSEGUE NADA SÓ SE FOR ARROGÂNCIA DOS OUTROS É INCRÍVEL O PAÍS ESTAVA À BEIRA DO CAOS COM BOLSO SOMENTE A DOIS ANOS DEPOIS DE SETE ANOS SEM O PT MAS COBRAM E CRUCIFICAM A LULA Q MENTALIDADE DÉBIL SEM NOÇÃO DA HISTÓRIA OU MÁ FÉ MESMO, PARA GOVERNAR SE FAZ O Q PODE NÃO HÁ MILITÂNCIA NG GOVERNA SOZINHO,O PAIS A BEIRA DO ESFACELAMENTO AMTES DE LULA E OS MALDOSOS NEM SE LEMBRAM DE NADA !!!

  8. Em razão de uma série de fatores (o estrago político causado pelo golpe de estado disfarçado de Impeachment contra DilmaRousseff, o estrago econômico do neoliberalismo autoritário de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o golpe bolsonarista interrompido que explodiu nas ruas de Brasília, a recuperação demorada, o Congresso carunchado de pastores vagabundos, ruralistas pilantras e fascistas,
    a pressão cotidiana da imprens, etc) esse governo Lula é fraco. MUITO FRACO. Então Lula tenta extrair o máximo que pode de sua fraqueza. Não ajuda muito exigir dele o que não pode ser e não será entregue. Fazer de conta que o governo é forte, também me parece um erro imperdoável.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador